quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Amadores

"Levantava-me se as minhas pestanas não se atravessassem à minha frente" digo para mim sem medo que todas as vozes se calem e ouça o eco das palavras marcadas nas minhas veias salientes
Os meus lábios não se calam, não se descolam.
Não sei com quem estou a falar, toda a gente aqui se parece comigo.
Levantava-me se as paredes parassem de valsar ao som da minha saliva.
Cantava ao ritmo das molas do sofá se a minha voz não estivesse rouca de cantar numa língua que desconheço,
uma letra curta de palavras abatidas formadas de sílabas quase aleatórias.
Levantava-me para terminar o meu nascimento se pudesse esculpi-lo,
está tudo perfeito da forma que eu faço apesar de nem terminado estar, apesar de amador, apesar de único.
Tu também és amadora, choves de uma forma amadora em mim,
a palavra amadora vem de amar não é?
Debaixo da tua chuva as estradas tem portas e as portas tem escadas
Debaixo da tua chuva as estátuas são mecânicas e os carros são velas
Debaixo da tua chuva sou normal
Ao tempo que eu já não me lembrava de agir, ao tempo que eu não acendia uma vela.
A minha vida reduz-se...não, eleva-se, numa vela.

Ruben A.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Alcatifa

Não acredito que estou sentado nestas escadas,
cobertas de alcatifa azul, suja, sozinha e eu
As minhas mãos não são as mesmas, alguém mudou as minhas mãos enquanto dormia.
Não sei como pegar na caneta e a minha sombra limita-se a segurar na alcatifa.
A casa olha para mim e abre os braços de parede mal pintada por cima de um papel mal colado.
Não conheço estas mãos, vou lava-las com sabonete velho e pasta dos dentes seca
Nunca espreito por esta janela, não sei o que há lá fora.
Só te vejo a ti e um candeeiro.
São bem diferentes, aqui dentro tudo se confunde, nada me distingue desta vassoura se não escrever.

Não acredito que estou sentado nestas escadas,
nunca gostei delas, mas são as únicas que dormem comigo agora.
Apetecia-me sentir o vento das tuas asas de cera na minha cara,
é pelo teu corpo de espuma que estou aqui
é pelos manuscritos das paredes da banheira onde escorres
escorre pelas minhas escadas como se eu não te ouvisse
varre-me como se eu não te sentisse
lava as minhas mãos, és as minhas mãos.

Não acredito que estou sentado nestas escadas.


Ruben A.