quarta-feira, abril 02, 2008

Os outros

Hoje de manhã, acordei e vi que estava outra vez sozinho, mas desta vez deitado na berma de uma estrada que começava em mim. Eu partiria mil vezes mas não tenho mil destinos, tenho como destino ser pintor cego e poeta analfabeto, porque a arte é uma forma de vida e escrever é um pedaço do nosso património. Poesia é simplesmente sentir, simplesmente pensar, sentir com os mais recônditos órgãos de um organismo imperfeito. Eu gosto de escrever...gosto de pensar, gosto de sentir...gosto mais de pensar do que sentir. Adormeço, deixo-me na estrada flácida, na estrada morta, na estrada que morre, na estrada que perde o seu sangue na terra.

Ruben A.

segunda-feira, março 26, 2007

Tecto vertical

Cuspo a minha saliva seca no tecto vertical que se une ás paredes horizontais com cantos e vincos vincados em forma de parede, parede que não é mais que um chão quando o mundo se desdobra para o ver como só eu o vejo.
Quase que falava comigo se tivesse alguma coisa para me dizer.
Vou pensar, vou pensar como se nunca tivesse pensado antes, vou pensar livre de conhecimento.
É sempre fácil lembrar mas tão dificil de esquecer, mas eu esqueço-me, de tudo,
esqueço-me de como se escreve, de como se fala, de como se vê, de como se sente, de como se vive e aprendo tudo de novo, ao ritmo do chão, ao ritmo do incenso, ao ritmo destas paredes horizontais com cantos e vincos.

Ruben A.

segunda-feira, março 12, 2007

Repetições únicas

Sento-me onde não tenho mãos nem pés,
onde não tenho lugar,
peço ao meu corpo para me devolver os meus momentos,
pois tudo o que eu tenho são momentos,
momentos repetidos mas únicos,
cada um mais leve que o anterior,
cada um com a sua força,
cada um mais repetido que o anterior,
cada um com a sua cor.
Não sei do que são feitas estas palavras,
são de que sabor?
Estas palavras não tem sabor!
Sabem a língua, sabem a dentes!
Vejo o fumo mas não consigo ver as palavras!
De que são feitas as palavras que eu falo?
São repetidas mas únicas.
São palavras sem mãos nem pés.

Ruben A.

sexta-feira, março 09, 2007

Falo logo sou

Falo comigo por loucura,
ou por estar perto de mim?
Será que vejo tudo da forma que não é suposto ver?
Vejo de mais ou de menos?
Vejo apenas,
vejo apenas diferente,
diferente dos outros.
Do que estava eu a falar?
Vejo ou sou?
Sou quem?
Sou esta diferença, sou esta loucura,
sou este que fala comigo.

Ruben A.

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Amadores

"Levantava-me se as minhas pestanas não se atravessassem à minha frente" digo para mim sem medo que todas as vozes se calem e ouça o eco das palavras marcadas nas minhas veias salientes
Os meus lábios não se calam, não se descolam.
Não sei com quem estou a falar, toda a gente aqui se parece comigo.
Levantava-me se as paredes parassem de valsar ao som da minha saliva.
Cantava ao ritmo das molas do sofá se a minha voz não estivesse rouca de cantar numa língua que desconheço,
uma letra curta de palavras abatidas formadas de sílabas quase aleatórias.
Levantava-me para terminar o meu nascimento se pudesse esculpi-lo,
está tudo perfeito da forma que eu faço apesar de nem terminado estar, apesar de amador, apesar de único.
Tu também és amadora, choves de uma forma amadora em mim,
a palavra amadora vem de amar não é?
Debaixo da tua chuva as estradas tem portas e as portas tem escadas
Debaixo da tua chuva as estátuas são mecânicas e os carros são velas
Debaixo da tua chuva sou normal
Ao tempo que eu já não me lembrava de agir, ao tempo que eu não acendia uma vela.
A minha vida reduz-se...não, eleva-se, numa vela.

Ruben A.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Alcatifa

Não acredito que estou sentado nestas escadas,
cobertas de alcatifa azul, suja, sozinha e eu
As minhas mãos não são as mesmas, alguém mudou as minhas mãos enquanto dormia.
Não sei como pegar na caneta e a minha sombra limita-se a segurar na alcatifa.
A casa olha para mim e abre os braços de parede mal pintada por cima de um papel mal colado.
Não conheço estas mãos, vou lava-las com sabonete velho e pasta dos dentes seca
Nunca espreito por esta janela, não sei o que há lá fora.
Só te vejo a ti e um candeeiro.
São bem diferentes, aqui dentro tudo se confunde, nada me distingue desta vassoura se não escrever.

Não acredito que estou sentado nestas escadas,
nunca gostei delas, mas são as únicas que dormem comigo agora.
Apetecia-me sentir o vento das tuas asas de cera na minha cara,
é pelo teu corpo de espuma que estou aqui
é pelos manuscritos das paredes da banheira onde escorres
escorre pelas minhas escadas como se eu não te ouvisse
varre-me como se eu não te sentisse
lava as minhas mãos, és as minhas mãos.

Não acredito que estou sentado nestas escadas.


Ruben A.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Reticências mentais

A realidade tem o preço de viver no meio de reticências mentais.
Quero fugir mas perdi os meus pés
Qual é o preço de uns pés?
Qual é o preço de voltar a acordar nas tuas palavras que ecoam dentro de mim?
Porque é que não consigo dormir mais? Ao menos deixa-me dormir! Se não estou contigo de que me serve estar acordado?
Enquanto durmo saio do meu corpo e fico preso cá fora
Não sei onde me sinto mais livre
Consigo ver-te a beijar-me numa rua vazia, à tua porta, no carro enquanto seguras o teu casaco com carapuço para não te molhares. Não! Não segures no casaco, deixa-me ver a chuva em ti e tu na chuva, ficas linda no meio da chuva porque é aí que eu encontro os meus pés.
Precisamente em ti.
Quando és tu que te misturas com o incenso da tua casa, e nas calçadas que pisas refinadamente sem saberes que são tuas.
Quando está tudo calado e o mundo está em silêncio quase me consigo ouvir.

Ruben A.